30 de novembro de 2011

Desapontamentos


O homem ocioso repousara em excesso e perdera o sono.
Tentando dormir mais uma vez, recolheu-se em aposento isolado.
Depois de algum tempo, ressonava...
Respiração estertorosa.
Assobios estridentes.
Passa um quarto de hora.
Emitindo sons mais altos, acorda a si mesmo.
Levanta-se e sai, furioso, procurando o suposto responsável pelo desagradável ruído que o despertou...
*
Muitos atos das criaturas são semelhantes a esse.
Aspiram simplesmente ao sono do repouso falso. E, quando despertam, contrariadas, para a realidade
espiritual que as cerca, buscam, em desespero, alguém a quem possam incriminar por sua incúria e desgosto,
mas encontram, invariavelmente, em si mesmas, as únicas responsáveis.
Assim ocorre nas pequeninas contrariedades da vida humana e nas grandes desilusões da vida espiritual,
após a viagem da morte.
*
Não culpe a ninguém por suas frustrações, presentes ou futuras.
Ore, vigie e analise os próprios desapontamentos e verá que, ressonando na ociosidade e acordando na
dolorosa vigília do arrependimento, o único responsável por eles é sempre você

29 de novembro de 2011

Aflitismo


A mulher estava aflitíssima.
Tremia.
Chorava.
Maldizia-se.
Afirmava-se infeliz.
Parecia haver arrematado todos os sofrimentos da Terra.
Nesse estado, apresentou-se ao dirigente da reunião espírita que exaltara a beleza da paciência e da
resignação.
Instada a esclarecer o motivo da dor que a supliciava, declarou que fora ali pedir o concurso dos bons
Espíritos por achar-se aflitíssima com a perda de um dos seus lindos anéis, no valor de duzentos mil
cruzeiros.
O diretor da instituição passou a reconfortá-la. E,à medida que lhe reanimava a esperança, a senhora, dantes
em desespero, asserenou-se, de rosto rubro, pois percebeu que o interlocutor, a falar-lhe com bondade e
carinho, era um homem sem braços.

Waldo Vieira - Valérium

18 de novembro de 2011

Alguns Segundos



O caminheiro solitário seguia, com fome, à margem do rio.
Nervoso e impaciente, ia censurando a tudo e a todos, por achar-se em penúria.
Caminhava devagar, quando viu algo na estrada chamando-lhe a atenção.
Uma cédula!
Abaixou-se e colheu o achado.
Uma nota de mil cruzeiros, enrolada e manchada..
Contudo, para surpresa sua, era. somente a metade da cédula, que, apesar de nova, fora inexplicavelmente
cortada.
Ainda mais irritado, amarfanhou o papel valioso e atirou-o à correnteza do rio, blasfemando.
Deu mais alguns passos à frente, seguindo pela mesma estrada, quando surpreendeu outro fragmento de
papel no solo.
Inclinou-se, de novo, e apanhou-o.
Era a outra metade da cédula que, enervado e contrafeito, havia projetado nas águas.
O vento separara as duas partes; ele, porém, não tivera a paciência de esperar alguns segundos, apenas...
*
Há sempre socorro às nossas necessidades. No entanto, até para receber o auxílio da Divina Bondade,
ninguém prescinde da calma e da paciência.

17 de novembro de 2011

A Conferência



Convidado a fazer uma preleção sobre a crítica, o conferencista compareceu ante o auditório superlotado,
sobraçando pequeno fardo.
Após cumprimentar os presentes, retirou os livros e a jarra d’água de sobre a mesa, deixando somente a
toalha branca.
Em silêncio, acendeu poderosa lâmpada, enfeitou a mesa com dezenas de pérolas que trouxera no embrulho
e com várias dúzias de flores colhidas de corbelhas próximas.
Logo após, apanhou da sacola diversos “biscuits” de inexprimível beleza, representando motivos edificantes,
e enfileirou-os com graça.
Em seguida, situou na mesa um exemplar do Novo Testamento em capa dourada.
Depois, com o assombro de todos, colocou pequenina lagartixa num frasco de vidro.
Só então comandou a palavra, perguntando:
— Que vedes aqui, meus irmãos?
E a assembléia respondeu, em vozes discordantes:
— Um bicho!
— Um lagarto horrível!
— Uma larva!
— Um pequeno monstro!
Esgotados breves momentos de expectação, o pregador considerou:
— Assim é o espírito da critica destrutiva, meus amigos! Não enxergastes o forro de seda lirial, nem as
flores, nem as pérolas, nem as preciosidades, nem o Novo Testamento, nem a luz faiscante que acendi...
Vistes apenas a diminuta lagartixa...
E concluiu, sorridente:
— Nada mais tenho a dizer...




Waldo Vieira -  Valérium

Observe os Concelhos




O distinto higienista, depois de examinar pobre homem doente, falou-lhe com severidade afetuosa:
— Já sei que o senhor é pai de família. É responsável pela esposa e quatro filhos menores; entretanto, quero
adverti-lo... É preciso que tome mais cuidado na defesa da própria saúde. Calafete as gretas que haja em sua
moradia, contra o assalto dos “barbeiros” contaminados. Sirva água fervida às crianças. Fiscalize o banheiro,
desinfetando os vasos em serviço. Noto que o senhor não tem preservado a própria residência. Basta uma
observação superficial para que se veja o que fazem as amebas. Higiene, meu amigo, é preciso higiene em
casa...
— Mas, doutor — replicou o enfermo, quando pôde, enfim, dizer alguma coisa —, nós não temos casa.
Moramos, há quatro anos, debaixo da ponte velha...
*
Aproveite, enquanto é possível, os seus dotes materiais nas tarefas do bem e verifique os conselhos que você
dá. Às vezes, muita gente, a quem você prega austeramente o heroísmo da virtude, está simplesmente com
necessidade de pão.


Waldo Vieira - Valérium

14 de novembro de 2011

Gaiola



Na sala faustosa, o pássaro triste e cabisbaixo está na gaiola enfeitada.
O visitante entra, observa e pergunta ao dono da mansão:
— Que tem o canário? Solte-o, meu amigo, ele está muito tristonho!
E o anfitrião responde, abrindo a porta do pequeno cárcere:
— Veja, ele não sai... É canário de gaiola.
Aí foi criado desde que nasceu. Não sabe viver fora dela...
E fecha a portinhola da prisão do pássaro triste que, mudo e quieto, respira chumbado à
gaiola enfeitada, na sala faustosa...
*
Quantas criaturas humanas existem iguais a esse pássaro?!
Pessoas criadas desde a infância na riqueza e no luxo vivem presas aos empréstimos
transitórios do mundo, durante toda a existência na Terra, e, mesmo depois da morte, não se
desvencilham de seus antigos pertences e propriedades.
Por mais se lhes abram as portas da liberdade espiritual, não se sentem com força suficiente
para
desferirem o vôo largo da independência, na amplidão das Esferas Superiores...
E ficam chumbados à carne passageira, em suas gaiolas mentais de ouro, por muito tempo,
muito tempo mesmo, ante o Grande Futuro.
*
Saiba assim, meu irmão, usar os empréstimos da vida, desapegando-se realmente do conforto
escravizante, na certeza de que você chegou sozinho
à estação do corpo e que sozinho há de sair dela.

11 de novembro de 2011

Provações de Amanhã



O moço estava melhor dos pulmões no hospital serrano em que se tratava.
Mas a noticia do jornal era de estarrecer.
O chefe da grande organização, a que o rapaz servia, seguira para a Europa e o diário
mencionava esta frase terrível, no corpo da notícia:
— “Antes de viajar, o diretor despediu todos os empregados.”
O doente suou frio. Sem trabalho...
Desamparado...
Chorou.
Lamentou-se.
Buscou o leito, desarvorado.
Proclamou-se em falência.
Alarmou a casa de saúde.
Médicos preocupados observaram-lhe a piora.
Depois de quatro dias, extremamente febril, foi restituído ao lar, partindo da serra em
ambulância, por mostrar-se em condições gravíssimas.
Só então, em casa, veio a saber que tudo corria bem e que ele fora até mesmo contemplado
com alta gratificação, para tratamento.
Apenas havia ocorrido um engano de imprensa. A revisão do jornal cochflara, porquanto a
frase era outra:
— “Antes de viajar, o diretor despediu-se de todos os empregados.”
*
Prepare-se para as provações que podem surgir amanhã. Conserve o espírito sempre sereno e
confiante.

Waldo Vieira -  Valérium

9 de novembro de 2011

Contra-Senso



Alguém bate à porta principesca.
Ela, a dona da casa, atende.
Abre a porta e encontra pobre velhinho à frente.
Andrajoso. Cansado. Feridento.
É um pedinte que roga auxilio.
Fria e insensivelmeflte, ela despede o visitante, dizendo nada ter que possa dar.
E volta. resmungando à intimidade doméstica, maldizendo o infeliz.
— É malandro! — declara.
E acrescenta:
— Para vadios, só a cadeia.
Nisso, pequeno rato desliza-lhe pelos pés.
Assustadíssima, clama por socorro. Chora.
Fecha-se, superexcitada, em quarto próximo, a lastimar-se.
Bate-lhe o coração fortemente, as mãos tremem, a face está lívida e, por fim, depois de um copo d’água,
procura o festejado gato de estimação para exterminar o camundongo.
*
Assim são muitas de nossas comoções.
Não vibramos ante os quadros dolorosos que pedem ajuda e agitamo-nos, agoniados, diante de incidentes
banais.
*
Amigo, controle a sensibilidade, vigiando reações e policiando as idéias, para que o rendimento maior dos
seus dias, à luz do Evangelho Vivo, seja realidade em seu caminho.
Recorde que muita gente na Terra enfeita gatinhos prediletos e se enoja diante de irmãos em luta.
E há milhares de almas outras que exibem clamorosa frieza ante os apelos do bem e mostram imensa
emoção à frente de um rato.


Waldo Vieira - Valérium

8 de novembro de 2011

O Efeito do Amor



O amigo de conhecido espírita, ao vê-lo ardentemente interessado em obras de caridade, admoestou-o,
dizendo que ele, não espírita, desistira da beneficência, desde muito.
E alegava que todos os gestos de bondade que praticara somente haviam encontrado a secura como resposta.
Sempre ingratos por toda parte.
O espírita, no entanto, chamou-o à rua e deu-lhe um osso para que alimentasse um cão, de passagem.
O amigo, embora contrafeito, atirou a curiosa vianda para o animal, com marcante desprezo.
O cachorro aproximou-se da oferta, abocanhou-a, de leve, e saiu, triste e desconfiado, rabo entre as pernas.
O espírita tomou de osso igual para socorrer outro cão esfaimado na via pública.
Entretanto, mudou de jeito.
Chamou o animal com carinho humano.
Dirigiu-lhe palavras amigas.
Alisou-lhe o pêlo.
Afagou-lhe as orelhas.
E deu-lhe o bocado com as próprias mãos.
O animal abanou a cauda e permaneceu ao seu lado, contente, a lamber-lhe as mãos. E ambos os amigos
anotavam, admirados, o efeito do amor no gesto beneficente.
*
Estenda, sim, quanto puder, as obras de caridade. Contudo, ajudando alguém, é preciso saber como você
ajuda.




Waldo Vieira -  Valérium

7 de novembro de 2011

Destinos


A árvore generosa eleva-se à beira da estrada.
Os viandantes que passam famintos e exaustos buscam-lhe os frutos.
E, no desvario de suas necessidades, atiram-lhe pedras.
Espancam-na com varas.
Sacodem-lhe os galhos.
Quebram-lhe as grimpas.
Talam-lhe as folhas.
Sufocam-lhe as flores.
Esmagam-lhe os brotos tenros. Ferem-lhe o tronco. Mas, a árvore, sem queixa nem revolta, balouçando as
frondes, doa, a todos que a. maltratam, os frutos substanciosos e opimos de sua própria seiva.
Esse é o seu destino.
*
Também na estrada da existência onde você vive, transitam os viajores da evolução apresentando múltiplas
exigências a lhe rogarem auxilio.
E, na loucura de seus caprichos, atiram-lhe pedras de ingratidão.
Espancam-lhe o nome com as varas da injúria. Sacodem-lhe o coração a golpes de violência. Quebram-lhe
afeições preciosas, usando a calúnia.
Talam-lhe os serviços com a tesoura da incompreensão.
Sufocam-lhe os sonhos nos gases deletérios da crueldade.
Esmagam-lhe as esperanças com as pancadas da crítica.
Ferem-lhe os ideais com a lâmina da ironia. A todos, porém, sorrindo fraternalmente, aprenda com a árvore
generosa a doar os frutos do próprio esforço, sem revolta e sem queixa.
*
Espírita, não estranhe se esse é o seu destino.
Quando esteve humanizado entre nós, com amor incomum, esse foi o destino de Jesus, Nosso Mestre.


Waldo Vieira

5 de novembro de 2011

Bem Aventurados os Simples


E subindo ao monte, diante da multidão, o Cristo, acima de tudo, destacou aqueles que o seguiam, despojados
da embriaguez gerada pelo vinho da ilusão.
E comoveu-se ao fitá-los...
Sim, todos eles estavam pobres, ainda os de cérebro culto e veste impecável.
Pobres de sutilezas;..
Pobres de artifícios...
Desarmados de poderes terrestres...
Destituídos de ambições humanas...
Enterneceu-se Jesus, compreendendo que somente sobre eles, espíritos exonerados da mentira e
desenfaixados do personalismo inferior, é que poderia edificar as construções iniciais da Boa Nova e
situou-os, em primeiro lugar, na glória celeste, proclamando:
— Bem-aventurados os simples de espírito, porque deles é o reino dos Céus... (1)
Pensando neles, os companheiros reencarnados, dos-pretensiosos e sinceros, que desejam aprender com a
verdade, Valérium escreveu este livro.
Entregando-o, pois, aos amigos de esperança firme e coração singelo, rogamos ao Divino Mestre nos faça
a todos também simples, a fim de que nos identifiquemos com a grandeza simples do autor e nos
coloquemos, igualmente, à sombra acolhedora da bem-aventurança..


EMMANUEL

3 de novembro de 2011

Reciprocidade


discípulo
abeirou-se do orientador
e queixou-se magoado:
- Instrutor amigo,
o pior de tudo em meu
aprendizado é adquirir
a ciência do relacionamento.
Creio estar lutando
inutilmente
contra a animosidade alheia...
Auxilie-me, por favor.
De que modo agir
para viver
com a intolerância e com
o azedume dos outros?
O mentor refletiu,
por alguns momentos,
e esclareceu:
-Sim a indagação é justa.
Mas para que tenhamos
uma resposta clara,
é importante considerar
que os outros, igualmente,
precisam viver contigo.
* * *
Xavier, Francisco Cândido. Da obra: Caminhos.
Ditado pelo Espírito Emmanuel.