O dever é a obrigação moral da criatura para consigo
mesma, primeiro, e, em seguida, para com os outros. O dever é a lei da vida.
Com ele deparamos nas mais ínfimas particularidades, como nos atos mais
elevados. Quero aqui falar apenas do dever moral e não do dever que as
profissões impõem.
Na ordem dos sentimentos, o dever é muito difícil de
cumprir-se, por se achar em antagonismo com as atrações do interesse e do
coração. Não têm testemunhas as suas vitórias e não estão sujeitas à repressão
suas derrotas. O dever íntimo do homem fica entregue ao seu livre-arbítrio. O
aguilhão da consciência, guardião da probidade interior, o adverte e sustenta;
mas, muitas vezes, mostra-se impotente diante dos sofismas da paixão. Fielmente
observado, o dever do coração eleva o homem; como determiná-lo, porém, com
exatidão? Onde começa ele? onde termina? O
dever principia, para cada um de vós, exatamente no ponto em que ameaçais a
felicidade ou a tranqüilidade do vosso próximo; acaba no limite que não
desejais ninguém transponha com relação a vós.
Deus criou todos os homens iguais para a dor. Pequenos
ou grandes, ignorantes ou instruídos, sofrem todos pelas mesmas causas, a fim
de que cada um julgue em sã consciência o mal que pode fazer. Com relação ao
bem, infinitamente vário nas suas expressões, não é o mesmo o critério. A igualdade em face da dor é uma
sublime providência de Deus, que quer que todos os seus filhos, instruídos pela
experiência comum, não pratiquem o mal, alegando ignorância de seus efeitos.
O dever é o resumo prático de todas as especulações
morais; é uma bravura da alma que enfrenta as angústias da luta; é austero e
brando; pronto a dobrar-se às mais diversas complicações, conserva-se
inflexível diante das suas tentações. O
homem que cumpre o seu dever ama a Deus mais do que as criaturas e ama as
criaturas mais do que a si mesmo. E a um tempo juiz e escravo em causa
própria.
O dever é o mais belo laurel da razão; descende desta
como de sua mãe o filho. O homem tem de amar o dever, não porque preserve de
males a vida, males aos quais a Humanidade não pode subtrair-se, mas porque
confere à alma o vigor necessário ao seu desenvolvimento.
O dever cresce e irradia sob mais elevada forma, em
cada um dos estágios superiores da Humanidade. Jamais cessa a obrigação moral
da criatura para com Deus. Tem esta de refletir as virtudes do Eterno, que não
aceita esboços imperfeitos, porque quer que a beleza da sua obra resplandeça a
seus próprios olhos. - Lázaro.
(Paris, 1863.)
KARDEC, Allan. O
Evangelho Segundo o Espiritismo
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